É um morcego pequeno, de cerca de 12 centímetros da cabeça aos pés, mas até a sua presença ser registrada em uma área de transição entre campos naturais e florestas de araucárias do Paraná há uma longa história a ser contada.
O morcego da espécie Histiotus alienus havia sido documentado pela primeira e única vez por um naturalista inglês em 1916, depois de ser capturado em Joinville, no Norte de Santa Catarina. Assim, teve seu corpo catalogado entre as espécies da biodiversidade da América do Sul no Museu de História Natural de Londres.
Mais de um século depois, o encontro de pesquisadores brasileiros com a espécie, que teve o registro publicado em setembro no periódico ZooKeys, fez avançar o conhecimento sobre esse mamífero voador da Mata Atlântica.
A captura do morcego ocorreu em 2018, durante o trabalho dos pesquisadores do projeto “Mamíferos do Refúgio de Vida Silvestre dos Campos de Palmas e do Parque Nacional dos Campos Gerais”, o Promasto. Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o projeto tem o objetivo de documentar os mamíferos dessas duas unidades de conservação paranaenses e já investigou o impacto da descontinuidade das unidades de conservação na vida deles.
O morcego, um macho, foi interceptado por equipamentos para captura chamado rede de neblina, uma rede de malha de náilon instalada em pontos estratégicos do refúgio, que fica em Palmas, cidade de 52 mil habitantes no Sudoeste do Paraná. A unidade de conservação é federal, gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O naturalista que descreveu o Histiotus alienus no início do século XX na Inglaterra também tem uma longa história para contar. Michael Rogers Oldfield Thomas foi um ativo mastozoólogo — um estudioso de mamíferos — que trabalhou por décadas para o Museu de História Natural de Londres, aposentando-se em 1923.
Ao se retirar, havia descrito mais de 2,9 mil espécies do mundo todo, número que seus colegas hoje consideram imbatível. Foi também um hábil taxidermista. Então, além de descrever novas espécies, conseguia transformá-las em objetos de exposição para o museu, empalhando os corpos.
Pode-se dizer ainda que Oldfield Thomas tinha ideias visionárias sobre a divulgação científica. Já naquela época era um defensor dos museus e da capacidade de disseminação de conhecimento a partir deles. Por isso, escreveu uma carta de opinião a um jornal sustentando a necessidade de que a entrada para museus fosse gratuita. Também defendia que cientistas adotassem uma linguagem simples e objetiva.
Com seu trabalho e fontes financeiras, que incluíam o acesso à herança da mulher, Oldfield Thomas expandiu a coleção de mamíferos do museu de forma notável. Comprou coleções particulares de mamíferos empalhados e viajou de museu em museu em busca de novas espécies.
Por outro lado, a atuação de Oldfield Thomas acaba sendo um caso da história da ciência que faz pensar sobre o chamado colonialismo científico, que é o uso dos avanços do conhecimento como arma política de dominação sobre outros países. O próprio naturalista deu muitas vezes a entender que trabalhava para essa concentração de conhecimento a favor da Inglaterra.
* Por Camille Bropp
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